terça-feira, 24 de setembro de 2013

Museu e Identidades na Contemporaneidade

No dia 19 de setembro, a aula de Museologia no Mundo Contemporâneo, ministrada pela professora Drª Zita Possamai foi realizada no Acampamento Farroupilha durante a visita ao Piquete Herança de Tropeiro para conhecermos o Museu do Tropeiro Gaúcho, o museu foi organizado por estudantes do Curso de Museologia (UFRGS).

Algumas problematizações sobre identidade e museu, foram realizadas durante a visita, abaixo algumas problematizações abordadas.
Qual o papel do museu quando não existe uma identificação do público visitante com o tema exposto?
Outra questão é: como o museu pode problematizar e como trabalhar aspectos da cultura?
Para que serve o mito? Seria para reforçar uma identidade, de uma elite, sugere segurança ou igualdade aparente.
Antes de continuarmos a discussão sobre o tema identidade, a professora Zita nos apresentou alguns aspectos históricos sobre a figura histórica do tropeiro e como a questão do mito sobre o gaúcho foi construída, falando sobre a fundação em 1948 do CTG 35 (Centro de Tradições Gaúchas), por Paixão Cortes, Barbosa Lessa e Antônio Augusto Fagundes.
Para prosseguirmos as questões levantadas tivemos como base, o texto de Luis Augusto Farinatti: “Os gaúchos e os outros”. Este autor apresenta algumas críticas em relação à figura mítica do gaúcho e como esse sentimento regionalista acaba sendo difundido e propagando sucesso social em sua identificação.
Para terminar é preciso refletir, qual é o papel do museu diante de um mito?
Não é necessário assumirmos uma posição, mas entender a construção do mito e conhecermos outras versões, para não reproduzirmos apenas uma representação do passado.



Referência: FARINATTI, Luís Augusto. Os gaúchos e os outros. Jornal Sul 21. 21/09/2011.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O Porvir do passado - Néstor García Canclini

Néstor García Canclini 
Na aula do dia 12/09/2013 da disciplina Museologia no Mundo Contemporâneo da professora Drª Zita Rosane Possamai, foi discutido o texto "O porvir do passado", do autor Néstor García Canclini, abordando o tema sobre como a modernidade, trabalha à noção de patrimônio e como ocorre a relação com o passado.
Neste capítulo quatro da obra Culturas Hibridas (2008), o autor apresenta o embate entre os setores tradicionais e os setores modernos nas sociedades latino- americanas.

Fundamentalistas e modernizadores frente ao patrimônio histórico (p. 159 - 161)
p. 159 - ...os modernizadores precisam persuadir seus destinatários de que, ao mesmo tempo que renovam a sociedade, prolongam tradições compartilhadas. Posto que pretendem abarcar todos os setores, os projetos modernos se apropriam dos bens históricos e das tradições populares.
p.159-160 – Para entender o desenvolvimento ambivalente da modernidade, é preciso analisar a estrutura sociocultural dessas contradições.
p. 160 - ... a questão dos usos sociais do patrimônio continua ausente. Como se o patrimônio histórico fosse competência exclusiva de restauradores, arqueólogos e museólogos: os especialistas do passado.
p.160. Neste capítulo questionarei como o sentido histórico intervém na constituição de agentes centrais para a constituição de identidade modernas, como as escolas e os museus, qual é o papel dos ritos e das comemorações na renovação da hegemonia política.
p.160. Porque o patrimônio cultural se apresenta alheio aos debates sobre a modernidade ele constitui o recurso menos suspeito para garantir a cumplicidade social.
p. 160. Esse conjunto de bens e práticas tradicionais que nos identificam como nação ou como povo é apreciado como um dom, algo que recebemos do passado com tal prestígio simbólico que não cabe discuti-lo.
p. 160. Frente à magnificência de uma pirâmide maia ou inca, de palácios coloniais, cerâmicas indígenas de três séculos atrás ou à obra de um pintor nacional reconhecido internacionalmente, não ocorre a quase ninguém pensar nas contradições sociais que expressam. A perenidade desses bens leva a imaginar que seu valor é inquestionável e torna-os fontes de consenso coletivo, para além das divisões entre classes, etnias e grupos que cindem a sociedade e diferenciam os modos de apropriar-se do patrimônio.
p. 161 – Preservar um lugar histórico, certos móveis e costumes é uma tarefa sem outro fim que o de guardar modelos estéticos e simbólicos. Sua conservação inalterada testemunharia que a essência desse passado glorioso sobrevive às mudanças.

A teatralização do poder (p. 161 -168)
p. 161- Entender as relações indispensáveis da modernidade com o passado requer examinar as operações de ritualização cultural.
p.162 – O patrimônio existe como força política na medida em que é teatralizado: em comemorações, monumentos e museus.
p. 162 - ...pretendo deter-me principalmente na construção visual e cênica da significação.
p.162 – A teatralização do patrimônio é o esforço para simular que há uma origem, uma substância fundadora, em relação à qual deveríamos atuar hoje. Essa é a base das políticas culturais autoritárias.
p. 162. Ser culto implica conhecer esse repertório de bens simbólicos e intervir corretamente nos rituais que o reproduzem.
p.163 – “O que se define como patrimônio e identidade pretende ser o reflexo fiel da essência nacional. Daí que sua principal atuação dramática seja a comemoração em massa: festas cívicas e religiosas, comemorações patrióticas, e nas sociedades ditatoriais, sobretudo restaurações. Celebra-se o patrimônio histórico constituído pelos acontecimentos fundadores, os heróis que os protagonizaram e os objetos fetichizados que os evocam. Os ritos legítimos são os que encenam o desejo de repetição e perpetuação da ordem.
p. 164. Todo grupo que quer diferenciar-se e afirmar sua identidade faz uso tácito ou hermético de códigos de identificação fundamentais para a coesão interna e para proteger-se frente a estranhos.
p. 164. A escola é um palco fundamental para a teatralização do patrimônio.

São possíveis os museus nacionais depois da crise do nacionalismo? (p. 169 – 189)
p. 169- O museu é a sede cerimonial do patrimônio, o lugar em que é guardado e celebrado, onde se reproduz o regime semiótico com que os grupos hegemônicos o organizaram. Entrar em um museu não é simplesmente adentrar em um edifício e olhar obras, mas também penetrar em um sistema ritualizado de ação social.
p.170 – A crise do museu não se encerrou. Uma caudalosa bibliografia continua indagando sobre o obstinado anacronismo de muitos deles e sobre a violência que exercem sobre os bens culturais ao arrancá-los de seu contexto originário e reorganizá-los sob uma visão espetacular da vida são debatidas as mudanças de que necessita uma instituição, marcada desde sua origem pelas estratégias mais elitistas, para rever sua posição na industrialização e na democratização da cultura.
p.171- ...a reflexão sobre o lugar dos museus na política patrimonial pode ser útil para encontrarmos explicações para o nosso deficiente desenvolvimento cultural e nossa peculiar inserção na modernidade ocidental.
p.172 –Servem mais como conservadores de uma pequena porção do patrimônio, como recurso de promoção turística e publicidade de empresas privadas, do que como formadores de uma cultura visual coletiva.
p. 173. 1. A fim de entender as estratégias com que os particulares e o Estado põem em cena o patrimônio cultural, analisaremos dois casos representativos das políticas museográficas desenvolvidas no México.
O culto tradicional na modernidade.
A primeira estratégia é a espiritualização esteticista d patrimônio.
A segunda é a ritualização histórica e antropológica.
Analisaremos as duas políticas com a intenção de averiguar se seus modos de consagrar a cultura nacional podem sustentar-se nessa época de crise radical dos nacionalismos.
Museu de Arte Pré-hispânica Rufino Tamayo, de Oxaca.
Museu Nacional de Antropologia

Para que servem os ritos: identidade e discriminação (p. 190 – 193)
p. 190 - Os mitos nacionais não são um reflexo das condições em que vive a grande maioria do povo, mas o produto de operações de seleção e “transposição” de fatos e traços escolhidos conforme os projetos de legitimação política.
p. 190 – ... a identidade cultural se apoia em patrimônio, constituído através de dois movimentos: a ocupação de um território e a formação de coleções.Ter uma identidade seria, antes de mais nada, ter um país, uma cidade ou um bairro, uma entidade em que tudo o que é compartilhado pelos que habitam esse lugar se tornasse idêntico ou intercambiável. Nesses territórios a identidade é posta em cena, celebrada nas festas e dramatizada também nos rituais cotidianos.
p. 191- Por isso as coleções patrimoniais são necessárias, as comemorações renovam a solidariedade afetiva, os monumentos e museus se justificam como lugares onde se reproduz o sentido que encontramos ao viver juntos.
p. 192 – Os museus analisados ritualizavam o patrimônio organizando os fatos por referências a uma ordem transcendente. No Museu Tamayo, os objetos do passado são ressignificados segundo a estética idealista das belas-artes; no de Antropologia, os fenômenos culturais de cada grupo étnico são submetidos ao discurso nacionalista. Em ambos os casos, o material exposto é reorganizado em função de um sistema conceitual alheio.
p. 192 – ritos de passagem – entre os que participam e os que ficam de fora.

Rumo a uma teoria social do patrimônio (p. 193- 204)
p.194 – Se considerarmos os usos do patrimônio a partir dos estudos sobre reprodução cultural e desigualdade social, vemos que os bens reunidos na história por cada sociedade não pertencem realmente a todos, mesmo que formalmente pareçam ser todos e estejam disponíveis para que todos os usem.
p. 195 – Ainda que o patrimônio sirva para unificar cada nação, as desigualdades em sua formação e apropriação exigem estuda-lo também como espaço de luta material e simbólica entre as classes, as etnias e os grupos.
p. 197 – O discurso político continua associando preferencialmente a unidade e a continuidade da nação com o patrimônio tradicional.
p.202/203 – Um patrimônio reformulado levando em conta seus usos sociais, não a partir de uma atitude defensiva, de simples resgate, mas com uma visão mais complexa de como a sociedade se apropria de sua história, pode envolver diversos setores.
p.203 – [...] um projeto histórico solidário, os grupos sociais preocupados pela forma como habitam seu espaço.
p.204 – Não pode haver porvir para o nosso passado enquanto oscilamos entre os fundamentalismos que reagem frente à modernidade conquistada e os modernismos abstratos que resistem a problematizar nossa “deficiente” capacidade de sermos modernos.

Referência:  CANCLINI, Néstor García. O Porvir do passado. In. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Trad. Heloísa P. Cintrão e Ana Regina Lessa. 4.ed. São Paulo: Edusp, 2008. p.159-204.