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Néstor García Canclini |
Na aula do dia 12/09/2013 da disciplina Museologia no Mundo Contemporâneo da professora Drª Zita Rosane
Possamai, foi discutido o texto "O porvir do passado", do autor Néstor García Canclini, abordando o tema sobre como a modernidade, trabalha à noção de patrimônio e como ocorre a relação com o passado.
Neste capítulo quatro da obra Culturas Hibridas (2008), o autor apresenta o embate entre
os setores tradicionais e os setores modernos nas sociedades latino- americanas.
Fundamentalistas e
modernizadores frente ao patrimônio histórico (p. 159 - 161)
p. 159 - ...os modernizadores
precisam persuadir seus destinatários de que, ao mesmo tempo que renovam a
sociedade, prolongam tradições compartilhadas. Posto que pretendem abarcar
todos os setores, os projetos modernos se apropriam dos bens históricos e das
tradições populares.
p.159-160 – Para entender o
desenvolvimento ambivalente da modernidade, é preciso analisar a estrutura
sociocultural dessas contradições.
p. 160 - ... a questão dos usos
sociais do patrimônio continua ausente. Como se o patrimônio histórico fosse
competência exclusiva de restauradores, arqueólogos e museólogos: os
especialistas do passado.
p.160. Neste
capítulo questionarei como o sentido histórico intervém na constituição de
agentes centrais para a constituição de identidade modernas, como as escolas e
os museus, qual é o papel dos ritos e das comemorações na renovação da
hegemonia política.
p.160. Porque o patrimônio
cultural se apresenta alheio aos debates sobre a modernidade ele constitui o
recurso menos suspeito para garantir a cumplicidade social.
p. 160. Esse conjunto de bens e
práticas tradicionais que nos identificam como nação ou como povo é apreciado
como um dom, algo que recebemos do passado com tal prestígio simbólico que não
cabe discuti-lo.
p. 160. Frente à magnificência de
uma pirâmide maia ou inca, de palácios coloniais, cerâmicas indígenas de três
séculos atrás ou à obra de um pintor nacional reconhecido internacionalmente,
não ocorre a quase ninguém pensar nas contradições sociais que expressam. A
perenidade desses bens leva a imaginar que seu valor é inquestionável e
torna-os fontes de consenso coletivo, para além das divisões entre
classes, etnias e grupos que cindem a sociedade e diferenciam os modos de
apropriar-se do patrimônio.
p. 161 – Preservar um lugar
histórico, certos móveis e costumes é uma tarefa sem outro fim que o de guardar
modelos estéticos e simbólicos. Sua conservação inalterada testemunharia que a
essência desse passado glorioso sobrevive às mudanças.
A teatralização do poder (p. 161 -168)
p. 161- Entender as relações
indispensáveis da modernidade com o passado requer examinar as operações de
ritualização cultural.
p.162 – O patrimônio existe como força
política na medida em que é teatralizado: em comemorações, monumentos e
museus.
p. 162 - ...pretendo deter-me
principalmente na construção visual e cênica da significação.
p.162 – A teatralização do
patrimônio é o esforço para simular que há uma origem, uma substância
fundadora, em relação à qual deveríamos atuar hoje. Essa é a base das políticas
culturais autoritárias.
p. 162. Ser culto implica
conhecer esse repertório de bens simbólicos e intervir corretamente nos rituais
que o reproduzem.
p.163 – “O que se define como
patrimônio e identidade pretende ser o reflexo fiel da essência nacional. Daí
que sua principal atuação dramática seja a comemoração em massa: festas cívicas
e religiosas, comemorações patrióticas, e nas sociedades ditatoriais, sobretudo
restaurações. Celebra-se o patrimônio histórico constituído pelos
acontecimentos fundadores, os heróis que os protagonizaram e os objetos
fetichizados que os evocam. Os ritos legítimos são os que encenam o desejo de
repetição e perpetuação da ordem.
p. 164. Todo grupo que quer
diferenciar-se e afirmar sua identidade faz uso tácito ou hermético de códigos de identificação fundamentais
para a coesão interna e para proteger-se frente a estranhos.
p. 164. A escola é um palco
fundamental para a teatralização do patrimônio.
São possíveis os museus nacionais depois da crise do nacionalismo? (p.
169 – 189)
p. 169- O museu é a sede
cerimonial do patrimônio, o lugar em que é guardado e celebrado, onde se
reproduz o regime semiótico com que os grupos hegemônicos o organizaram. Entrar
em um museu não é simplesmente adentrar em um edifício e olhar obras, mas
também penetrar em um sistema ritualizado de ação social.
p.170 – A crise do museu não se
encerrou. Uma caudalosa bibliografia continua indagando sobre o obstinado
anacronismo de muitos deles e sobre a violência que exercem sobre os bens
culturais ao arrancá-los de seu contexto originário e reorganizá-los sob uma
visão espetacular da vida são debatidas as mudanças de que necessita uma
instituição, marcada desde sua origem pelas estratégias mais elitistas, para
rever sua posição na industrialização e na democratização da cultura.
p.171- ...a reflexão sobre o
lugar dos museus na política patrimonial pode ser útil para encontrarmos
explicações para o nosso deficiente desenvolvimento cultural e nossa peculiar
inserção na modernidade ocidental.
p.172 –Servem mais como
conservadores de uma pequena porção do patrimônio, como recurso de promoção
turística e publicidade de empresas privadas, do que como formadores de uma
cultura visual coletiva.
p. 173. 1. A fim de entender as
estratégias com que os particulares e o Estado põem em cena o patrimônio
cultural, analisaremos dois casos representativos das políticas museográficas
desenvolvidas no México.
O culto tradicional na
modernidade.
A primeira estratégia é a espiritualização esteticista d
patrimônio.
A segunda é a ritualização histórica e antropológica.
Analisaremos as duas políticas
com a intenção de averiguar se seus modos de consagrar a cultura nacional podem
sustentar-se nessa época de crise radical dos nacionalismos.
Museu de Arte Pré-hispânica
Rufino Tamayo, de Oxaca.
Museu Nacional de Antropologia
Para que servem os
ritos: identidade e discriminação (p. 190 – 193)
p. 190 - Os mitos
nacionais não são um reflexo das condições em que vive a grande maioria do
povo, mas o produto de operações de seleção e “transposição” de fatos e traços
escolhidos conforme os projetos de legitimação política.
p. 190 – ... a identidade
cultural se apoia em patrimônio, constituído através de dois movimentos: a
ocupação de um território e a
formação de coleções.Ter uma identidade seria, antes de mais nada,
ter um país, uma cidade ou um bairro, uma entidade em que tudo o que é
compartilhado pelos que habitam esse lugar se tornasse idêntico ou
intercambiável. Nesses territórios a identidade é posta em cena, celebrada nas
festas e dramatizada também nos rituais cotidianos.
p. 191- Por isso as coleções
patrimoniais são necessárias, as comemorações renovam a solidariedade afetiva,
os monumentos e museus se justificam como lugares onde se reproduz o sentido
que encontramos ao viver juntos.
p. 192 – Os museus analisados
ritualizavam o patrimônio organizando os fatos por referências a uma ordem
transcendente. No Museu Tamayo, os objetos do passado são ressignificados
segundo a estética idealista das belas-artes; no de Antropologia, os fenômenos
culturais de cada grupo étnico são submetidos ao discurso nacionalista. Em
ambos os casos, o material exposto é reorganizado em função de um sistema
conceitual alheio.
p. 192 – ritos de passagem –
entre os que participam e os que ficam de fora.
Rumo a uma teoria
social do patrimônio (p. 193- 204)
p.194 – Se considerarmos os usos do patrimônio a partir dos
estudos sobre reprodução cultural e desigualdade social, vemos que os bens
reunidos na história por cada sociedade não pertencem realmente a todos, mesmo
que formalmente pareçam ser todos e estejam disponíveis para que todos os usem.
p. 195 – Ainda que o patrimônio
sirva para unificar cada nação, as desigualdades em sua formação e apropriação
exigem estuda-lo também como espaço de luta material e simbólica entre as
classes, as etnias e os grupos.
p. 197 – O discurso político
continua associando preferencialmente a unidade e a continuidade da nação com o
patrimônio tradicional.
p.202/203 – Um patrimônio
reformulado levando em conta seus usos sociais, não a partir de uma atitude
defensiva, de simples resgate, mas com uma visão mais complexa de como a
sociedade se apropria de sua história, pode envolver diversos setores.
p.203 – [...] um projeto
histórico solidário, os grupos sociais preocupados pela forma como habitam seu
espaço.
p.204 – Não pode haver porvir
para o nosso passado enquanto oscilamos entre os fundamentalismos que reagem
frente à modernidade conquistada e os modernismos abstratos que resistem a
problematizar nossa “deficiente” capacidade de sermos modernos.
Referência: CANCLINI, Néstor García. O Porvir do passado. In. Culturas híbridas: estratégias para entrar
e sair da modernidade. Trad. Heloísa P. Cintrão e Ana Regina Lessa. 4.ed. São
Paulo: Edusp, 2008. p.159-204.